Nesta terceira alocução deseufemística não há dogmas a adoptar ou anátemas a excomungar. Não se pretende a exortação deste ou daquele sujeito em detrimento doutra ou aqueloutra forma de arte. Quer-se, só e apenas, estabelecer paralelismos entre diferentes conjunturas espacio-temporais tendo um comum objecto de análise – a música extrema.
Vai dando para depreender que, enquanto houver viabilidade acústica e ouvidos receptivos, o metal em sentido lato, terá uma longevidade infinita. Também já se percebeu que muitos dos seus sub-géneros são epifenómenos, condenados a uma efémera existência, alguns por culpa própria de uma diminuta margem de progressão criativa, outros vítima de conjunturas socio-trendy. O nu-metal foi um desses casos, o próprio grunge também, o metalcore tende a um destino idêntico. No entanto, por estranho que possa parecer, é justamente esta intermitência de estilos – e a antropofagia reinante que permite que cada nova tendência degluta a anterior – que funciona como elemento catalizador da música extrema em si, possibilitando uma regeneração do rock duro e do metal em geral.
Serve isto para fundamentar que, por muito inócuas, desinspiradas, enfadonhas, repetitivas, facilitistas, enervantes, desnecessárias, oportunistas, ruidosas, fastidiosas ou inconsequentes que sejam algumas bandas de metalcore, scremo, emocore, noisecore, post-metal, sludge metal, deathcore ou mathcore [e são], outras serão [e são, também] a panaceia do som de peso e decisivas entidades refrescantes com esboços de novas perspectivas artísticas e úteis forças de desbloqueio criativo. Se o caro leitor é purista ao ponto de não tolerar um acorde que seja da new-school, estando-se pouco borrifando para o suposto bem que tais bandas auguram ao metal, tem sempre a alternativa de encarar esta vaga como uma boa razão para que a facção de bandas assumidamente trve se aplique e veja aqui uma motivação para responder em bom estilo tradicional. Sem eufemismos. Entre margens tão extremadas, não consigo tomar partido. Fico ali, a navegar descontraidamente no vasto rio que separa ambas as pontas, numa imensa corrente onde desagua o old-school e o avantgarde, o clássico e o moderno, o reconhecido e o promissor. No fundo, nas mesmas águas onde a maioria de vocês remam, desde que não sejam “putos obcecados apenas pelas novas ondas” ou “fundamentalistas do underground mais negro que a cegueira”.

Seja como for, o problema não está tanto no conteúdo, mas mais na forma. A produção tomou o regime de série e cada vez é mais difícil distinguir entre peças de fruta normalizada. A inusitada oferta de bandas, editoras e digressões metalcore e afins vai encontrar um público identificável e, se é significativamente quantitativo, isso é mais um sintoma de que as sonoridades extremas se vão massificando e agregando mais e mais simpatias por parte da população mundial. O que é positivo. Há então estilos que se evaporam, entra-se na fase da regeneração, novas comunidades passam a gostar de ouvir uma guitarra distorcida, um novo punhado de bandas entra para a galeria dos notáveis…
…Onde constarão sempre nomes como Black Sabbath, Iron Maiden ou Pantera…
(texto originalmente escrito em 2006, mantendo-se (quase) actual, na perspectiva do autor)