domingo, 21 de novembro de 2010

MANUAL ESCOLAR – VERSÃO MMX

Nesta terceira alocução deseufemística não há dogmas a adoptar ou anátemas a excomungar. Não se pretende a exortação deste ou daquele sujeito em detrimento doutra ou aqueloutra forma de arte. Quer-se, só e apenas, estabelecer paralelismos entre diferentes conjunturas espacio-temporais tendo um comum objecto de análise – a música extrema.

Vai dando para depreender que, enquanto houver viabilidade acústica e ouvidos receptivos, o metal em sentido lato, terá uma longevidade infinita. Também já se percebeu que muitos dos seus sub-géneros são epifenómenos, condenados a uma efémera existência, alguns por culpa própria de uma diminuta margem de progressão criativa, outros vítima de conjunturas socio-trendy. O nu-metal foi um desses casos, o próprio grunge também, o metalcore tende a um destino idêntico. No entanto, por estranho que possa parecer, é justamente esta intermitência de estilos – e a antropofagia reinante que permite que cada nova tendência degluta a anterior – que funciona como elemento catalizador da música extrema em si, possibilitando uma regeneração do rock duro e do metal em geral.

Serve isto para fundamentar que, por muito inócuas, desinspiradas, enfadonhas, repetitivas, facilitistas, enervantes, desnecessárias, oportunistas, ruidosas, fastidiosas ou inconsequentes que sejam algumas bandas de metalcore, scremo, emocore, noisecore, post-metal, sludge metal, deathcore ou mathcore [e são], outras serão [e são, também] a panaceia do som de peso e decisivas entidades refrescantes com esboços de novas perspectivas artísticas e úteis forças de desbloqueio criativo. Se o caro leitor é purista ao ponto de não tolerar um acorde que seja da new-school, estando-se pouco borrifando para o suposto bem que tais bandas auguram ao metal, tem sempre a alternativa de encarar esta vaga como uma boa razão para que a facção de bandas assumidamente trve se aplique e veja aqui uma motivação para responder em bom estilo tradicional. Sem eufemismos. Entre margens tão extremadas, não consigo tomar partido. Fico ali, a navegar descontraidamente no vasto rio que separa ambas as pontas, numa imensa corrente onde desagua o old-school e o avantgarde, o clássico e o moderno, o reconhecido e o promissor. No fundo, nas mesmas águas onde a maioria de vocês remam, desde que não sejam “putos obcecados apenas pelas novas ondas” ou “fundamentalistas do underground mais negro que a cegueira”.

Ainda assim, encontro um refúgio mais familiar na margem mais metal e menos core. É que, na outra, são tão difusos alguns comportamentos e idiossincrasias, que me levam à descrença, ainda para mais quando se começa a esgotar esse pulmão de ar fresco musical. Algo não bate certo quando as marcas da roupa que se vestem em palco passam a ter mais importância que as marcas dos instrumentos que se “tocam”. Algo não se coaduna com os pressupostos do rock ‘n’ roll quando determinados estereótipos se aproximam intencionalmente do mainstream mais imediatista, nesta que devia ser uma contra-cultura resistente e, nunca, resignada. Algo não convence quando (numa sociedade abastada onde é mais fácil gravar um disco que salvar uma vida) não há uma razão aparente para o culto da lamúria, mas esses mesmos discos aparecem cheios de berreiros inconsoláveis. E imperceptíveis, mesmo que quiséssemos ajudar.

Seja como for, o problema não está tanto no conteúdo, mas mais na forma. A produção tomou o regime de série e cada vez é mais difícil distinguir entre peças de fruta normalizada. A inusitada oferta de bandas, editoras e digressões metalcore e afins vai encontrar um público identificável e, se é significativamente quantitativo, isso é mais um sintoma de que as sonoridades extremas se vão massificando e agregando mais e mais simpatias por parte da população mundial. O que é positivo. Há então estilos que se evaporam, entra-se na fase da regeneração, novas comunidades passam a gostar de ouvir uma guitarra distorcida, um novo punhado de bandas entra para a galeria dos notáveis… 

…Onde constarão sempre nomes como Black Sabbath, Iron Maiden ou Pantera…

(texto originalmente escrito em 2006, mantendo-se (quase) actual, na perspectiva do autor)

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